A Faxina

Manuela Lira
2 min readJun 4, 2024

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Nas profundezas do meu ser, em dias mais sombrios que o habitual, encontro consolo na solidão silenciosa da minha morada. Gosto que as almofadas do meu sofá sejam testemunhas silenciosas das lágrimas que escorrem pelo meu rosto, como gotas cristalinas em um riacho da minha própria tristeza. Minha casa, guardiã silente dos meus segredos mais profundos, torna-se a única confidente da minha fragilidade.

Anseio que cada canto, cada objeto, seja cúmplice dos meus pensamentos e sentimentos indesejados. O pano de chão que esfrego com vigor sobre o piso, numa dança de limpeza e purificação, é também um ritual de exorcismo, uma tentativa de banir os demônios que assombram minha mente. Ao meticulosamente organizar minhas gavetas, sinto como se estivesse enfileirando cada emoção, cada pensamento, numa ordem que só eu consigo compreender.

E quando rego minhas plantas, é como se estivesse nutrindo a mim mesma, cuidando da minha própria alma sedenta por alívio. Ninguém precisa saber dos rituais secretos que realizo, mas eu, eu preciso sentir. Pois cada objeto na minha casa tem o poder de ser a vítima ou o atrativo principal que me leva a vivenciar a angústia do meu coração.

Na maioria das vezes, abro a janela, mas só consigo vivenciar a escuridão. Nem sei se ainda sou humana ou me tornei um vampiro, sensível à luz do sol. No meu inconsciente, a luz apenas atrapalha. Mas sinto que quando termino a faxina, é nesse momento que aceitei minha escuridão por completo. É quando finalmente posso abraçar o céu e toda a luz da iluminação, embora ainda envolvida pela penumbra que me conforta.

Em meio aos murmúrios das paredes e ao silêncio eloquente dos móveis, encontro paz na expressão silenciosa da minha dor. Minha casa, meu santuário de tristeza e redenção, é onde posso ser verdadeiramente eu mesma, sem máscaras, sem disfarces, apenas eu e minhas emoções, em um eterno diálogo entre sombras e luzes, entre amargura e doçura, em um abraço acolhedor da escuridão que me envolve.

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